Via: Extra Globo
O descontrole de preços dos produtos e serviços tem penalizado de forma dramática a população brasileira, especialmente as camadas de baixa renda. A inflação nos últimos 12 meses chegou a 10,25%, o que não ocorria há mais de cinco anos. Trata-se também da maior taxa anual desde fevereiro de 2016, quando ficou em 10,36%.
Em setembro, o índice de preços ao consumidor atingiu 1,16%, a maior taxa para meses de setembro desde o início do Plano Real, em 1994. Na prática, o que acontece é que com a mesma quantidade de dinheiro não é mais possível comprar as mesmas coisas, e a inflação corrói a renda. Para mostrar os efeitos da alta dos preços no dia a dia do consumidor, o EXTRA acompanhou o orçamento de três famílias.
O que começou no ano passado com um aumento concentrado em alimentos, se espalhou para combustíveis, energia elétrica e gás de cozinha, entre outros produtos. Com renda em queda, desemprego e informalidade em alta, o efeito tem sido dramático. Não sobra dinheiro para as compras mais elementares, e sequer para comprar botijão para cozinhar.
— Pesa mais para a população mais pobre. Vários dos itens que subiram afetam com maior vigor as classes mais baixas por se tratarem de itens essenciais, como alimentos, gás, energia elétrica. A sensação é muito pior para quem gasta quase todo o orçamento com isso. Tem menos renda disponível, a pobreza e a desigualdade de renda cresceram muito no Brasil. A população mais pobre não tem como se proteger e é a que mais sofre — destaca Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Se os preços estivessem sob controle, os gastos seriam menores, e a aposentada Nirea Ramos Montenegro, de 79 anos, conseguiria realizar seu sonho em matricular a neta Ana Clara, de 14, em uma escola privada novamente. Mas com o custo de vida nas alturas, o plano da avó não foi concretizado.
— Fico esperando dia de ofertas para comprar o que falta na despensa de casa. Compra de mês há pelo menos seis meses não faço mais — lamenta Nirea.
Ela diz que antes R$ 400 comprava da carne ao sabão em pó no supermercado por mês. Agora, gasta muito mais:
— No dia 1º, fui ao mercado e gastei R$ 350. No dia 10, mais R$ 250, e no dia 20, gastei mais R$ 210. Nem acabou o mês e já gastei R$ 810. Mais do que o dobro do que gastava. E olha que não tem carne (bovina na lista), só galinha e salsicha. Queijo virou supérfluo, e a manteiga foi substituída pela margarina.
— Pagava R$ 110 de conta de luz e agora gasto R$ 198, mesmo usando máquina de lavar duas vezes na semana e o ferro elétrico, uma. Minha neta passa o dia fora estudando, meu filho sai de manhã e volta de noite, e a conta vem esse absurdo — reclama.
Para muitos consumidores, os números não conseguem traduzir a sensação real. Isso porque, mesmo com o índice geral em 10,25%, alguns produtos estão muito mais caros. Somente os preços da carne bovina, por exemplo, dispararam e subiram mais de 24% em 12 meses, segundo o IBGE. Além disso, quem vai ao supermercado já percebeu que as diferenças de custos estão muito marcantes.
O economista Matheus Peçanha, pesquisador do FGV/Ibre, lembra que embora alguns produtos tenham registrado desaceleração, o preço acumula alta tão acentuada que quedas pontuais ficam quase imperceptíveis.
— É o caso do arroz, do milho, de alguns tipos de feijão, da maioria das hortaliças. Mas ainda há com problemas nas proteínas, a carnes bovinas até recuaram no último mês mas o acumulado está muito alto.
Uma pesquisa do FGV/Ibre mostrou que a inflação para os motoristas é quase o dobro da inflação geral nos últimos 12 meses, atingindo 18,46%, o maior índice desde 2000.
A promotora de eventos Rosilene Moreira, de 55 anos, faz as contas, mas está difícil fechar o mês com os boletos em dia e ainda suportar todos os gastos correntes da casa. A compra de mês no supermercado passou a ser feita na medida em que os itens acabam. O gasto de energia elétrica saltou para R$ 200. A conta do telefone celular disparou, e a saída foi trocar de operadora.
— Carne vermelha já cortei há muito tempo e substituí por frango, quando dá, e carne suína. Por compras que saiam por R$ 400, hoje pago R$ 600 e compro menos coisas.
— Se sobrasse um dinheiro no mês, poderia comprar uma roupa, um sapato. Há muito tempo não sei o que é comprar alguma coisa para mim. O dinheiro que ganho vai todo em contas da casa e alimentação — lamenta Rosilene.
Com a inflação atingindo praticamente todos os produtos e serviços, em alguma medida, os consumidores estão fazendo as contas para tentar driblar a mordida da alta dos preços. Entre as estratégias estão reduzir o consumo de produtos, substituir itens e marcas, renegociar contratos de telefone e internet, entre outros. A tarefa não é fácil, já que o aumento generalizado atinge em cheio o bolso dos brasileiros mais pobres, sendo que os preços de itens básicos são os que mais sobem proporcionalmente.
Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), explica que são necessárias estratégias drásticas para combater essa inflação, e mesmo assim serão sentidos os reflexos nas contas (confira abaixo dicas de economia).
— Os reajustes geralmente são mensais, mas os aumentos dos preços sentidos diariamente, sendo necessária atenção a cada item de consumo. É preciso reavaliar cada ato de consumo — alerta Domingos.
A bióloga Mariana Vieira da Silva, de 43 anos, tem sentido o peso da alta generalizada dos preços. A compra do mês virou semanal, e mesmo assim somente para repor todos os itens que faltam na dispensa.
— Cada mês compro coisas diferentes. Em alguns meses uso mais um produto que o outro, só vou ao supermercado comprar o que está faltando. Não compro mais para estocar — conta Mariana.
Ela diz que não deixou de comer como antes mas que não compra mais grandes quantidades e tem buscado economizar.
— Vou ao mercado mais vezes no mês para aproveitar promoções. Além disso, mudei o sacolão, agora vou ao bairro vizinho que é mais em conta — diz Mariana.
Os gastos com a alimentação da família são os que mais pressionam o orçamento. Mensalmente, o volume de recursos dedicados ao supermercado passa de mil reais. Além disso, com o aumento do botijão de gás, cozinhar e economizar agora são grandes desafios.
— Por mês estou gastando R$ 1.300 com alimentação. O gás de R$ 70 passou para R$ 90. Acho um absurdo todo esse gasto com alimentação, porque a nossa família só tem três pessoas.
Com todos esses gastos, planos para o futuro e passeios estão sendo adiados.
— Queria juntar dinheiro para viajar — diz Mariana.
Com o aumento dos preços da carne, do frango, suína e ovos, muitos consumidores tentaram migrar para produtos enlatados. Mas as versões industrializadas da proteína animal — o que inclui salsicha, sardinha, atum e outros — subiram 12,03% em 12 meses até setembro, de acordo com dados do IPCA medidos pelo IBGE. A categoria de ultraprocessados também experimentou uma elevação que chegou a 16% em alimentos como sardinha, milho, ervilha, e molho de tomate, de acordo com estimativas da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). Segundo a entidade, a disparada nos preços está associada ao encarecimento da matéria-prima para fabricação do produto. Nos últimos 12 meses, a folha de flandres — que é o insumo para a fabricação — teve reajuste de mais de 100%, gerando impacto principalmente nos produtos da cesta básica.
— O impacto no mercado foi sentido a partir do segundo semestre de 2020, quando a indústria de alimentos passou a enfrentar dificuldades no abastecimento da folha de flandres, sem falar na aceleração dos preços — destaca João Dornellas, presidente executivo da Abia, acrescentando que, atualmente, a entrega do insumo estava com atraso de cerca de 25 dias.
O aumento no preço dos alimentos, incluindo os enlatados, acaba pesando muito nos índices de inflação, especialmente para as famílias de baixa renda, avaliam economistas. Dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro, do IBGE mostram que o grupo de enlatados e conservas também captou esse aumento. A sardinha em conserva saltou 18,1%. Já a salsicha em conserva registrou alta de 15,61%, o atum em conserva subiu 6,81%, o leite em pó, 13,14%, e o condensado 7,69%.
André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), avalia que o aumento dos combustíveis, usados para transporte de carga, e da conta de luz, que afeta a produção de suínos, aves e ovos, têm contribuído para um cenário de alta dos preços.
— O mais provável é que os preços se estabilizem em um patamar mais alto — afirma.
• Energia, água e gás - Banhos longos, luzes acessas e dispositivos ligados na tomada podem consumir muita energia elétrica. O mesmo acontece com o uso de água e gás.
• Revise - Reduza a quantidade de vezes que utiliza os aparelhos eletroeletrônicos em casa e procure ligar a máquina de lavar e o ferro elétrico menos vezes e por menos tempo durante a semana.
• Conta de celular, streaming e cabo - As tarifas das operadoras de celular podem aumentar e, por isso, a recomendação é comparar os valores e mudar de operadora, se for o caso. Também é preciso cuidado com serviços de streaming e tv a cabo. Muitas vezes são contratados e pouco utilizados. Verifique aplicativos pagos e joguinhos de celular.
• Supermercado - O preço de alguns produtos básicos aumentou muito. A recomendação é fazer uma lista de compras com os itens que são realmente necessários e substituir por marcas mais baratas. Cuidado com as promoções, especialmente se levar em maior quantidade.
• Pesquisa - Um levantamento da Associação de Supermercado encontrou diferença de preços chega a 196% no mesmo produto de diferentes marcas. Mesmo da mesma marca há 43% de diferença, dependendo do ponto de venda. Isso mostra que é preciso comparar os preços e pesquisar.
• Lista - Antes de fazer compras, anote os itens necessários e não compre mais produtos do que o inicialmente planejado.
• Reutilize - Roupas são itens que podem ser reutilizados criando novas peças. A recomendação é pensar em outros itens de sua casa que podem ser reutilizados e não gaste duas vezes.
• Gastos com lazer - Com a inflação, os passeios ficam cada vez mais caros, por isso é recomendado evitar passeios mais custosos. Dê preferência a opções de lazer mais baratas e ao ar livre.
• Pequenos gastos - Esses são os grandes vilões dos orçamentos. Como são gastos pequenos, eles passam despercebidos e, ao fim do mês, o valor total pode ser surpreendente. O melhor é evitar pequenos excessos de todos os dias como cafés e lanchinhos, entre outros.
• Carro - O combustível é um dos vilões da alta inflacionária. Faça uma análise, pois pode ser mais econômico deixar de usar o carro no dia a dia ou mesmo usar aplicativos de transporte e vender o veículo. Mais uma opção pode ser compartilhar viagens e dividir as despesas. Outro fator é manter o carro com a revisão em dia para evitar gastos com manutenção.
Fonte: Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).
Via: Extra Globo